O artigo 1.240-A do Código Civil não deixou claro como se configura o
abandono de lar pelo ex-cônjuge ou ex-companheiro, entenda o
posicionamento doutrinário e jurisprudencial sobre o tema.
O Código Civil em seu artigo 1.240- A prevê a usucapião familiar,
também, conhecida como usucapião por abandono de lar:
Art. 1.240-A. Aquele que exercer, por 2 (dois) anos ininterruptamente
e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel
urbano de até 250m² (duzentos e cinquenta metros quadrados) cuja
propriedade divida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que
abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família,
adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja proprietário de
outro imóvel urbano ou rural.
Da leitura do artigo, extrai-se como requisitos: i) posse direta, com
exclusividade; ii) ininterrupta e sem oposição; iii) pelo lapso temporal de 2
(dois) anos; sobre imóvel urbano de até 250m²; iv) propriedade em comum com
cônjuge/companheiro que abandonou o lar; v) deve utilizar para sua moradia
ou de sua família e; vi) não pode ser proprietário de outro imóvel urbano ou
rural.
Nesse sentido, inclusive, é o posicionamento da jurista Maria Berenice
Dias:
“O Código Civil admite a aquisição da propriedade decorrente do
rompimento de uma relação de convívio (CC 1.240-A): a usucapião
familiar. Também chamada de usucapião conjugal ou usucapião pró-
família. Finda a união por ter um do par abandoado o lar, quem
permanece na posse do imóvel comum, por mais de dois anos,
passa a ser o dono exclusivo. Mas há restrições: o imóvel não pode
ter mais de 250m²; tem que pertencer ao casal e não ser de
propriedade exclusiva de quem abandonou o lar. O possuidor tem
que permanecer lá residindo e não pode ter outro imóvel urbano ou
rural. “ (DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias, 14ª
edição, Editora Jus Podivm, pág. 749).
No entanto, o dispositivo legal não esclareceu o que seria considerado
como abandono de lar pelo ex-cônjuge ou ex-companheiro. Tal conceituação
ficou a cargo da doutrina e jurisprudência.
Conforme veremos, o abandono do lar não pode ser considerado como
o mero afastamento físico do ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o
lar. Ou seja, o ex-cônjuge ou ex-companheiro além de se afastar do lar, ainda,
deve deixar de prestar qualquer tutela material ou moral para a família.
Sobre o tema, oportuno destacar o trecho do voto do Excelentíssimo
Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Marco Buzzi:
"O requisito do abandono do lar, essencial à caracterização da
usucapião familiar, vem sendo interpretado pela doutrina e pela
jurisprudência não apenas como o afastamento meramente físico do
consorte, que passa a residir em outro local após a separação, mas
como a ausência de assistência moral e material à família."(Agravo
em Recurso Especial 1.599.061, rel. Min. Marco Buzzi,
publ.27/11/19)
Ainda, nesse sentido, tem-se o enunciado 595 da VII Jornada de Direito
Civil:
“O requisito ‘abandono do lar’ deve ser interpretado na ótica do
instituto da usucapião familiar como abandono voluntário da posse
do imóvel somado à ausência da tutela da família, não importando
em averiguação da culpa pelo fim do casamento ou união estável.
Revogado o Enunciado 499” (Enunciado 595 da VII Jornada de
Direito Civil).
Dito isto, para cumprir o requisito legal, o ex-cônjuge ou ex-companheiro
deve de forma voluntária se afastar totalmente, tanto da prestação material
quanto da prestação moral e, não só, da residência como, também, do convívio
familiar.
Nesse cenário, o requisito abandono de lar deve ser cabalmente
comprovado para configurar a prescrição aquisitiva especial, requisito
obrigatório do art. 1.240-A do Código Civil. Assim, se faz necessário a
demonstração inequívoca do abandono do lar pelo ex-cônjuge ou ex-
companheiro, que se configura, então, mediante a ausência completa de tutela
material e moral para a família e, também, para o imóvel.
Importante pontuar, que caso o imóvel seja exclusivo do ex-cônjuge ou
ex-companheiro que abandonou o lar, é inaplicável esta modalidade de
usucapião familiar. E, ainda, que esta modalidade compreende todas as formas
de família ou entidade familiares (Enunciado 500 da V Jornada de Direito Civil).
Por outro lado, eventual tolerância do ex-cônjuge ou ex-companheiro
para uso do bem pela família, em razão da existência de filhos em comum, não
configura como abandono de lar. A mera separação de lares pela
impossibilidade de convívio conjugal, também, não comprova o requisito do
abandono de lar.
Assim, o dispositivo legal reforça que quem quiser sair da residência
deve fazer com responsabilidade, sob pena de perder sua propriedade. Essa
modalidade de usucapião não visa discutir a culpa, mas explicita que quem
deseja sair, ainda que de forma informal, deixe claro seu desejo pelo fim do
relacionamento.
Em suma, para que se configure o abandono de lar, o ex- cônjuge ou ex-
companheiro deve sair voluntariamente imóvel, sem um justo motivo e com
intenção de não retornar mais ao lar. Deve, ainda, não prestar qualquer tutela
material: i) para o lar-como não auxiliar no pagamento de IPTU, taxa
condominial ou prestação do financiamento do bem, se houver; e, ii) para a
família-como não pagar pensão ou não auxiliar ainda que minimamente com
eventuais despesas familiares.
Por fim, cumpre lembrar, que toda espécie de usucapião, inclusive esta,
pode ser feita extrajudicialmente, para tanto, é imprescindível que seja lavrada
por tabelião de notas, a ata notarial que deverá certificar, através de
testemunhas e documentos, todos os requisitos legais já mencionados.
A usucapião familiar realizada extrajudicialmente é mais célere e visa
por um meio menos burocrático conferir o direito de propriedade aquele que
permanece no imóvel e se viu arcando com todos os custos para manutenção
do imóvel e da família.
Publicado no dia 16/08/2022
Site: https://www.migalhas.com.br/depeso/371766/usucapiao-familiar-
requisitos-necessarios