ANÁLISE JURISPRUDENCIAL- DA POSSIBILIDADE DE EXCLUSÃO
São poucas as decisões que determinaram a exclusão do condômino reiteradamente antissocial. Nos casos apurados, verifica-se que a fundamentação se pautou da livre convicção dos julgadores, que entenderam a conduta antissocial do condômino extremamente nociva aos demais moradores.
No final do ano de 2012, o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná entendeu pela possibilidade de exclusão do proprietário, o Sr. Jamar Amine Domit, ora morador do Condomínio Edifício Rio Sena. Essa decisão foi muito comentada, além de ser utilizada como parâmetro em julgados de outros estados:
APELAÇÃO CÍVEL. CONDOMÍNIO EDILÍCIO VERTICAL. PRELIMINAR. INTEMPESTIVIDADE.INOCORRÊNCIA. APELO INTERPOSTO ANTES DA DECISÃO DOS EMBARGOS. RATIFICAÇÃO.DESNECESSIDADE. EXCLUSÃO DE CONDÔMINO NOCIVO. LIMITAÇÃO DO DIREITO DE USO/HABITAÇÃO, TÃO-SOMENTE.POSSIBILIDADE, APÓS ESGOTADA A VIA ADMINISTRATIVA. ASSEMBLÉIA GERAL REALIZADA. NOTIFICAÇÕES COM OPORTUNIZAÇÃO DO CONTRADITÓRIO.QUORUM MÍNIMO RESPETITADO (3/4 DOS CONDÔMINOS). MULTA REFERENTE AO DÉCUPLO DO VALOR DO CONDOMÍNIO.MEDIDA INSUFICIENTE. CONDUTA ANTISSOCIAL CONTUMAZ REITERADA. GRAVES INDÍCIOS DE CRIMES CONTRA A LIBERDADE SEXUAL, REDUÇÃO À CONDIÇÃO ANÁLOGA A DE ESCRAVO. CONDÔMINO QUE ALICIAVA CANDIDATAS A EMPREGO DE DOMÉSTICAS COM SALÁRIOS ACIMA DO MERCADO, MANTENDO-AS PRESAS E INCOMUNICÁVEIS NA UNIDADE CONDOMINIAL. ALTA
ROTATIVIDADE DE FUNCIONÁRIAS QUE, INVARIAVELMENTE SAIAM DO EMPREGO NOTICIANDO MAUS TRATOS, AGRESSÕES FÍSICAS E VERBAIS, ALÉM DE ASSEDIOS SEXUAIS ENTRE OUTRAS ACUSAÇÕES.RETENÇÃO DE DOCUMENTOS. ESCÂNDALOS REITERADOS DENTRO E FORA DO CONDOMÍNIO. PRÁTICAS QUE EVOLUIRAM PARA INVESTIDA EM MORADORA MENOR DO CONDOMÍNIO, CONDUTA ANTISSOCIAL INADMISSÍVEL QUE IMPÕE PROVIMENTO JURISDICIONAL EFETIVO. CABIMENTO.CLÁUSULA GERAL. FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE. MITIGAÇÃO DO DIREITO DE USO/HABITAÇÃO. DANO MORAL. NÃO CONHECIMENTO. MATÉRIA NÃO DEDUZIDA E TAMPOUCO APRECIADA. HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS FIXADOS EM R$ 6.000,00 (SEIS MIL REAIS). MANTENÇA. PECULIRIDADES DO CASO CONCRETO.SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO.(TJPR - AC - 957743-1 - Rel Arquelau Araújo Ribas Unânime - - J. 13.12.2012)
O Sr. Jamar Amine Domit foi excluído sua unidade condominial, tendo em vista as suas condutas antissociais que foram qualificadas como gravíssimas, sendo manchete do jornal, no qual alegou que seu apartamento “era um verdadeiro circo dos horrores[27]”.
As acusações contra este condômino que resultaram na sua prisão, eram de estupro, cárcere privado e redução a condição análoga a de escravo, vez que atraia empregadas domesticas ao anunciar um salário tentador, contudo quando “chegaram [empregadas domesticas] no apartamento (...) tinham documentos retidos e passavam a ser assediadas por Domit, que, muitas vezes as trancava e deixava as vítimas sem comunicação”[28].
Os demais condôminos, antes mesmo da prisão do Sr. Jamar Amine Domit, abriram um livro de ocorrências, no qual se constatou que 90% (noventa por cento) de seu conteúdo referiam-se a este condômino. Tais atitudes levaram aos demais condôminos à conclusão de que “o réu [Sr. Jamar Amine Domit] é
um sujeito perigoso, incapaz de conviver pacifica e socialmente com pessoas de bem.” [29]
Diante de tais fatos, o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, entendeu pela manutenção da sentença proferida pela julgadora monocrática, determinando a exclusão do Sr. Jamar Amine Domit pelas suas condutas reiteradamente antissociais, pautando-se no princípio da função da propriedade:
No julgamento da apelação cível nº 957.743-1 de que foi relator o Desembargador Arquelau Araujo Ribas confirmou a sentença do juízo da 22ª Vara Cível do Foro Central, destacando que a função social do direito de propriedade permitiria mitigação do direito de uso e habitação, consideradas a reiteradas práticas antissociais.[30]
No entanto, o relator do recurso, desembargador Arquelau Araújo Ribas mencionou ser uma decisão difícil de ser tomada, só que diante da inexistência de eficácia das medidas administrativas tomadas, como notificações e multas aplicadas ao condômino antissocial, alternativa não restou:
Daí resulta que a tormentosa decisão como a do caso em tela, de retirar de um idoso como o requerido, o direito de habitar sua própria residência, somente se admite excepcionalmente, frente a inexistência de outras medidas administrativas que surtam o efeito necessário[31].
E sobre a conduta do Sr. Jamar Amine Domit o desembargador prossegue:
Ora, não se trata de “fetichismo” ou sexualidade deturpada, limitada a “quatro paredes”, mas desvios que extrapolavam os limites da propriedade, atingindo toda uma coletividade de famílias, as quais somente voltarão a normalidade, após o afastamento do “condomínio antissocial” daquele local[32].
Contudo, vale frisar novamente que a exclusão do condômino antissocial apenas limita o seu direito de habitar o imóvel, os demais direitos inerentes à propriedade, como alugar, vender, doar, entre outros, não são afetados.
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, também, já decidiu pela exclusão do condômino antissocial[33], que mesmo após diversos boletins de ocorrência registrados contra o morador João Felipe, além das reclamações nas assembleias convocadas especialmente para tratar das condutas deste condômino, continuou a pratica os atos:
que vão desde a simples perturbação do descanso e sossego em razão de ruídos e sons de instrumentos eletrônicos de forma excessiva até ameaça e prática de atos de vandalismo.[34]
Portanto, os julgadores gaúchos entenderam pela manutenção da sentença proferida em 1º grau, que fundamentou sua decisão acerca da prevalência da coletividade condominial sobre um único condômino que desrespeita as regras para uma convivência pacifica e harmônica com a vizinhança:
É inquestionável que a vida dos condôminos, no que diz respeito à segurança e paz de espírito, vem sendo vulnerada com as constantes perturbações causadas pelo réu, o que impede os demais condôminos de desfrutarem de tranquilidade dentro da área condominial. Inferir de modo diverso seria vendar os olhos à realidade e permitir que apenas um dos condôminos imponha aos demais situação totalmente adversa ao propósito da coletividade condominial.[35]
Complementando a sentença monocrática proferida, a relatora, Desembargadora Elaine Harzheim Macedo, acrescentou que o próprio fato do o morador João Felipe, dito como antissocial, afirmar ser perseguido e sofrer agressões injustas, comprova a impossibilidade de continuar habitando no condomínio. Ademais, da propositura da ação no ano de 2007 até o julgamento do recurso realizado em meados de 2010, o condômino João Felipe continuou causando profundos incômodos aos demais condôminos.[36]
O caso mais recente de possibilidade de exclusão do condômino antissocial que se tem notícia foi julgado pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo no dia 27 de agosto de 2013.
Os julgadores paulistas deram provimento ao recurso de apelação do Condomínio Residencial Ipanema, vez que a sentença monocrática julgou extinta ação nos termos do artigo 267, inciso VI do Código de Processo Civil, pela impossibilidade jurídica do pedido.
Isso porque, comprovou-se que o odor gerado pelo apartamento da condômina dita como nociva, foi motivo de assembleias condominiais, inclusive, demanda judicial, no qual a moradora se comprometeu a manter o seu apartamento dentro dos padrões de higiene, o que foi descumprido.[37]
Ademais, o oficial de justiça ao se dirigir ao apartamento assim identificou:
enorme desorganização em todos os outros cômodos da casa, em que se acumulavam “malas de viagem cheias de roupas velhas, embalagens diversas (potes de sorvete vazios, embalagens recicláveis etc), cadeiras, televisor velho, garrafas térmicas usadas e carcaças de eletrodomésticos”. Os armários estavam sujos, com odor urinoso, fezes de roedores e mofo, e roupas, sapatos e televisor embalado se espalhavam pelo chão da casa. O Oficial de Justiça concluiu ser grande o risco de propagação de fogo no apartamento.[38]
Diante disso, entenderam os julgadores pela exclusão da condômina antissocial, asseverando, também, que houve a privação apenas da posse direta e que tal medida se mostra eficaz diante das reiteradas multas, justificando que:
a opção por viver em sociedade implica sujeição a regras de conduta, e que a vida em condomínio em edifício estreita ainda mais as liberdades individuais, de rigor o provimento da apelação, para determinar à Requerida que desocupe o imóvel (limpo e higienizado).[39]
A vida condominial é cercada de regras que devem seguidas, o condômino que as descumpre é penalizado administrativamente, e caso persista na sua conduta, o conflito deve ser resolvido no judiciário, no qual o mesmo pode ter sua posse direta restrita, prevalecendo o interesse dos demais moradores.
Nesse viés, os casos concretos que entenderam pela possibilidade de exclusão do condômino antissocial, demonstraram que são situações excepcionais, tomadas como última e única alternativa para cessar o conflito.
Há casos, também, que os julgadores entendem pela possibilidade de exclusão do condômino reiteradamente antissocial, contudo, no caso concreto, não vislumbraram a gravidade para que seja o condômino excluído da sua unidade condominial:
Condomínio edilício. Sanção de exclusão do condômino nocivo por reiterado comportamento antissocial. Ainda que em tese possível, solução depende do devido processo e da verificação de fatos muito graves, um e outro, na espécie, ausentes. Improcedência, posto que por motivo diverso. Deslinde mantido. Recurso desprovido. (9158729-59.2009.8.26.0000 Relator(a): Claudio Godoy. Comarca: Jacareí. Órgão julgador: 1ª Câmara de Direito Privado. Data do julgamento: 10/09/2013. Data de registro: 12/09/2013. Outros números: 6254414400)
Por outro lado, quanto a possibilidade de exclusão do condômino antissocial pela inadimplência com as cotas condominiais, encontrou-se um julgado do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, no qual entendeu que a
inadimplência por si só não justifica a exclusão do condômino, vez que existem outros meios para o condomínio receber os valores em atraso[40].
Dentro desse contexto, verifica-se uma certa cautela dos julgadores para excluir o condômino antissocial, diante dos poucos julgados favoráveis, bem como por ser uma medida extrema, já que o proprietário do imóvel perde o direito de habitar seu imóvel.
Considerações Finais
Pelo exposto, verifica-se que após a flexilização do caráter absoluto da propriedade, o interesse da coletividade se sobrepõe quanto aos interesses individuais, tendo em vista a função social que o proprietário deve dar ao seu imóvel.
A funcionalização da propriedade deve ser respeitada pelos proprietários das unidades condominiais, sob pena de privação da posse direta. Ao adentrar na sociedade condominial, o morador deve ter consciência de que há regras, principalmente, no que concerne aos bons modos com a vizinhança, a cumprir.
Em suma, os condôminos devem ser regrados com a vida condominial, respeitando as normas da boa vizinhança, e caso haja perturbação, os demais moradores tem o direito de cessar a interferência, nos termos da lei civil.
No que diz respeito à possibilidade de exclusão do condômino antissocial, conforme mencionado, verifica-se que os julgadores agem com cautela, sem fixar de maneira expressa o que são as condutas antissociais que de maneira reiteradas podem levar a exclusão do condômino.
O conceito de antissocial é muito amplo, para o condômino ser taxado dessa maneira, deve-se analisar a situação conflitante e as tentativas ineficazes para cessar a interferência na seara administrativa.
Após a ineficácia das penalidades administrativas, as condutas ditas como antissociais, devem ser analisadas minuciosamente pelo Poder Judiciário, para que a exclusão do condômino antissocial seja a última alternativa para cessar o conflito[41].
Os julgados favoráveis, conforme vistos acima, são raros, mas já esboçam a possibilidade de exclusão do condômino antissocial.
Diante disso, caso o condômino seja enquadrado como antissocial, praticando reiteradamente a conduta prejudicial aos demais moradores, administrativamente com a ineficácia das penalidades administrativas, evidente que não há outra maneira de cessar a interferência prejudicial para os demais moradores, a não ser com a exclusão deste condômino que não se adaptou a vida condominial, descumprido a função social da sua propriedade.
Versão completa do texto: https://jus.com.br/artigos/29336/da-im-possibilidade-da-exclusao-do-condomino-antissocial.